Verdadeiro, ténis em África


                                                            Por António Vieira Pacheco
Crianças aprender ténis na rua.
Créditos: Direitos Reservados. África minha! A realidade em alguns países sem infraestruturas.

O jogo começa onde há vontade!

Dizem existir ténis em África. Que há crianças com raquetas gastas, bolas que já mal saltam, redes feitas de corda ou arame, a jogar ao final do dia, quando o sol baixa e o pó assenta. Afirmam existir talento. Que há promessas. Que existe futuro.

Mas é mesmo assim?

A paisagem não engana: em alguns países, não há campos de ténis. Há cimento rachado, há campos partilhados com o futebol, há longas viagens só para encontrar um adversário. E, ainda assim, joga-se.

Raquetas gastas, sonhos intactos!

Angella Okutoyi a melhor jogadora do Quénia.
Créditos: ATP Tour. Angella Okutoyi.
No Quénia, Angella Okutoyi é nome conhecido, mas só desde que ganhou Wimbledon — nos pares juniores, em 2022. Até aí, era só mais uma rapariga de Nairóbi com uma raqueta demasiado grande para as mãos. Criada pela avó, depois da morte da mãe no parto, começou a treinar num campo de ténis improvisado num orfanato. Chamavam-lhe “a miúda que não larga a bola”. Não largou. E hoje treina nos Estados Unidos, com uma bolsa completa.

Mas Okutoyi não é só uma exceção. É uma faísca.

A jogadora do Burandi.
Créditos: ATP Tour. Sada Nahimana.
No Burundi, uma terra que raramente faz manchetes, Sada Nahimana correu atrás do seu próprio destino. Aos 23 anos, já venceu torneios ITF, jogou em quadros principais da WTA, e em 2023, em Rabat, tornou-se a primeira Burundi a ganhar um jogo num torneio WTA. Pequenos marcos, gigantes para quem nasce longe dos centros do mundo.

Quando partir é o único caminho!

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Créditos: EMM


Do lado francófono do continente, na Costa do Marfim, Eliakim Coulibaly começou a dar nas vistas ainda adolescente. Em 2024, tornou-se o primeiro costa-marfinense a ganhar um título Challenger, e em 2025 entrou no top 300 do ATP. O seu backhand é estudado em academias. A sua história, não tanto. Mas devia ser. Treina na academia Mouratoglou, em França — como tantos africanos, só pôde progredir saindo.

A pergunta repete-se: para ter ténis verdadeiro, é preciso sair?

A resposta parece ser: quase sempre.

Centros que mudam destinos

Mas há resistências. Existem pequenas revoluções discretas, que não aparecem na televisão, mas mudam geografias.

A Federação Internacional de Ténis (ITF) mantém em Sousse, Tunísia, um centro regional de treino para jovens entre os 13 e os 18 anos. Um lugar onde a areia dá lugar ao cimento pintado, onde há bolas novas, treinadores experientes e estrutura. É ali que se tenta fazer crescer os próximos nomes, sem obrigar à emigração precoce. É uma bolha — mas uma bolha com potencial.

Mais a sul, há iniciativas comunitárias: academias locais em Accra, Lagos, Windhoek. Algumas são pouco mais que associações de bairro com vontade de mudar uma vida de cada vez. A Tennis in Africa, por exemplo, no Gana, cruza educação e desporto, dando raquetas e livros às crianças. Não prometem Wimbledon. Prometem dignidade.

E depois há os Jogos Africanos. Em 2023, foi Okutoyi que venceu o ouro em singulares, derrotando Mayar Sherif, a egípcia que era uma das 100 melhores do mundo. Um símbolo. O pequeno Quénia a vencer o gigante Egipto. A jogadora sem patrocinadores a vencer a profissional do circuito. Verdadeiro.

A dura realidade do ténis africano.
Créditos: ATP Tour. Ainda existem situações destas em África.

A dureza do caminho

Mas a realidade ainda é dura. A maioria dos países africanos tem menos de cinco campos de ténis de nível internacional. Torneios profissionais são raros.

Em 2023, o Burundi organizou o seu primeiro torneio profissional feminino. Em 2024, Ruanda acolheu dois ATP Challenger pela primeira vez.

 O Quénia tem apenas alguns eventos do circuito ITF. Os voos para competir custam o triplo do orçamento de uma federação. Os vistos são negados mais vezes do que os jogos são ganhos.

Há ainda os que competem noutras frentes. Donald Ramphadi, da África do Sul, ao lado de Kgothatso Montjane, conquistou o bronze nos Jogos Paralímpicos de Tóquio em ténis em cadeira de rodas. Foi a primeira medalha paraolímpica africana na modalidade. Uma vitória em silêncio. E, como tantas outras, quase invisível.


Inspiração que atravessa fronteiras

No entanto, o jogo acontece.

Talvez verdadeiro seja isto: o som seco da bola contra uma parede no Zimbabué. O rapaz que treina sozinho com uma raqueta rachada no Uganda. A menina de 10 anos em Dacar, no Senegal, que viu Ons Jabeur na televisão e proferiu, em voz baixa, je peux le faire aussi (também posso fazer isso).

Porque também é verdade que Jabeur, a tunisina que chegou a número dois do mundo e ainda ocupa o top 100 mundial, foi a primeira africana a disputar uma final de Wimbledon. Perdeu. Mas ensinou outra coisa: que também se chega lá com esforço e dedicação.

E talvez isso seja o mais verdadeiro de tudo. Não os títulos, não os patrocínios — mas o gesto que se repete: o braço que sobe, a bola que voa, o olhar que acredita. A vontade de entrar no jogo, mesmo quando o mundo diz que não.

O ténis em África ainda não é história de massas. É feito de nomes soltos, esforços individuais, faíscas num campo escuro.

Porque o ténis em África não é um capricho de elites, nem um eco de passados coloniais. É uma escolha. Um caminho que se abre, não porque alguém deu permissão, mas porque alguém ousou começar.

E, entre os gritos abafados das bolas que batem no chão duro e as palmas escassas de um público ainda tímido, escuta-se algo mais: a batida regular de um continente que insiste em contar as suas próprias verdades. À sua maneira. Com raquetas em punho.

Mas acontece. Devagar. Verdadeiramente.




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