A eternidade em três dias há 15 anos em Wimbledon!

                                                                            Por António Vieira Pacheco

Há 15 anos houve um encontro que se prolongou por 3 dias.
Créditos: Direitos Reservados. Um encontro que entrou para a história, pois se prolongou por 3 dias.

O início que não prometia lenda

Naquela manhã de 22 de junho de 2010, Wimbledon era somente Wimbledon. Elegante, tradicional, pontuado por morangos com natas e silêncios reverentes. No court 18, dois nomes relativamente discretos preparavam-se para disputar uma ronda comum: John Isner, o gigante americano, e Nicolas Mahut, o estilista francês.

A promessa era de equilíbrio, nada mais. O que ninguém previa era que ambos estavam prestes a escrever uma página que o ténis nunca mais voltaria a virar — somente a reler, em reverência.

Primeiros capítulos: a normalidade enganadora

O encontro começou como tantos outros. Os quatro primeiros ‘sets’ dividiram-se com alguma previsibilidade: 6–4, 3–6, 6–7 (7–9), 7–6 (7–3). À medida que o sol se retirava, o embate foi suspenso. A noite caiu como cortina sobre um palco onde, no dia seguinte, começaria uma peça de teatro de absurdo — uma comédia trágica onde o riso se transformaria em pasmo, e o cansaço em culto.

O quinto ‘set’: onde o tempo perdeu a conta

Na manhã seguinte, o court 18 voltou a receber os gladiadores. A luta tornou-se repetição: saque, ponto, troca de lado. A cada jogo mantido, os rostos ficavam mais graves. O marcador, que não esperava ser protagonista, começou a desafiar a própria eletrónica: parou nos 47–47, incrédulo como todos nós. Às 17 horas, o encontro já era o mais longo da história. Aos 59–59, a luz do dia cedeu novamente. O público, em coro, clamava“Queremos mais!”. E mais haveria.

Wimbledon, acostumado à compostura britânica, virou romaria. O court 18, normalmente secundário, tornara-se altar. Não havia sombra que escondesse o sacrifício dos corpos em campo. Os saques continuavam a cair como marteladas rítmicas de um ritual antigo. Era mais do que ténis — era resistência. Cada ponto vencia o tempo. Cada gesto era gravado em pedra.

A vitória como epílogo, não como clímax

Ao terceiro dia, em 24 de junho, John Isner selou a vitória por 70–68. Mas a glória já não era apenas dele. Mahut, derrotado no papel, foi consagrado pelo público como igual — talvez maior. Foram 11 horas e 5 minutos de jogo, 183 jogos no total, 216 ases combinados, uma odisseia gravada na pele de Wimbledon.

O marcador, quando voltou a funcionar, não conseguiu apagar a sua falha — ficou como símbolo. O jogo ultrapassara os limites do humano e do programável. Mais do que estatísticas, o que restava era o espanto.

O que resta depois do infinito?

Exausto, Isner não conseguiu colocar um único às na segunda ronda. Foi eliminado sem brilho, como um corredor que desaba após cruzar a meta com o coração nas mãos. O épico consumira-lhe a alma desportiva. No ano seguinte, como ironia suprema do destino, voltou a enfrentar Mahut. Desta vez, sem milagres: vitória rápida, três ‘sets’, silêncio. A eternidade não se repete — apenas se visita.

Este confronto não é apenas o mais longo da história do ténis. É a história do que acontece quando o impossível deixa de ser limite e se torna medida. A resistência física foi épica. A resiliência mental, quase mitológica. Mas o que mais perdura é o sentimento de que, por três dias, o tempo parou num pequeno recanto de relva em Londres, e todos nós fomos testemunhas de algo que não cabia nas regras.

Hoje, o court 18 permanece discreto, como um velho sábio que não precisa contar a sua história. Mas quem por lá passa, lembra. Sente. Ali, onde o tempo se esticou como uma corda de violino prestes a partir, a memória continua viva. Não há estátuas — não são precisas. A lenda vive na relva, nos ecos, nos olhos dos que viram.

O legado: mais do que números

Sim, há números: 70-68 no quinto ‘set’, 183 jogos, 11h05. Mas o verdadeiro legado não está nas estatísticas. Está no que não se pode medir: o respeito mútuo, a elevação do adversário a espelho. A maneira como o desporto pode, em certos dias, desafiar a lógica e aproximar-se do sublime.

Quinze anos depois, o encontro continua a ser uma história contada com assombro. Como todas as grandes narrativas, começa com o banal e termina no incompreensível. Foi uma luta sem violência, uma guerra sem inimigos, um poema escrito com raquetes.

Naquele court escondido, dois homens tornaram-se mitos. E, por três dias, ensinaram-nos que, no ténis como na vida, há partidas que se jogam não para vencer, mas para nunca acabar.

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