Cento vinte e sete anos a jogar com o tempo: O Lawn-Tennis de Carreiros e a alma da Foz
Por António Vieira Pacheco
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Créditos: Facebook do clube. Os primeiros anos de existência de um clube da zona nobre da urbe. |
Raízes britânicas, alma portuense
Por entre brisa atlânticas e memórias
de uma cidade que sabe envelhecer com elegância, o Grupo Lawn-Tennis de
Carreiros sopra 127 velas. O clube mais antigo do país em funcionamento
ininterrupto continua a erguer-se discretamente na Foz do Douro, entre casarios
antigos, ruas estreitas e a luz melancólica do Porto que sabe embalar
histórias.
Fundado em 1898, quando o ténis ainda
era um desporto reservado às elites e jogado com vestes brancas engomadas, o
clube não é somente uma referência desportiva — é uma memória que resiste.
Da terra batida dos courts às tábuas
do seu velho clube, tudo respira tradição. O tempo passa, mas o jogo continua.
No final do século XIX, a presença britânica no norte de Portugal era sólida.
Ingleses traziam consigo costumes, clubes, hábitos. Foi nesse cruzamento de
culturas que nasceu o Lawn.Tennis Carreiros, fundado por residentes britânicos no Porto —
homens que procuravam recriar um pouco da sua pátria à beira-mar português.
Primeiro instalado na Rua de
Carreiros, que lhe deu o nome, rapidamente o clube passou para a localização
atual, na Rua Dr. Sousa Rosa, onde permanece desde 1902. Ali, a relva deu lugar
à terra batida, e os salões aveludados mantêm um eco de conversas ditas em voz
baixa.
Mais do que bolas e raquetes, esta
coletividade foi sempre um espaço de aprendizagem — de técnica e de valores.
Gerido por décadas com um espírito formativo e inclusivo, viu nascer atletas de
valor e sedimentou-se como casa de campeões. Mas não só: foi também refúgio de
amizades e palco de educação informal, onde o tempo passa devagar e se respeita
o silêncio entre os pontos.
As paredes forradas a madeira, os
bancos gastos pelo uso, as árvores que sombreiam o court único — tudo no clube
parece solicitar silêncio e contemplação. Há uma espécie de liturgia do ténis
ali: um respeito antigo, herdado e sussurrado.
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Créditos: Facebook do clube. |
O clube que sobrevive à cidade
O Porto transformou-se. Cresceu,
empurrou fronteiras, perdeu espaços. Mas o clube portuense resistiu. Discreto, quase
escondido do olhar apressado, continua a cumprir a sua missão sem estridência.
Em tempos foi visitado por grandes nomes do desporto nacional, por
aristocratas, por apaixonados do jogo que viam no ténis uma dança mais do que
um combate.
Hoje, com apenas um court em
funcionamento, o clube é um sobrevivente com memória. Não tem o brilho metálico
dos grandes centros modernos, mas tem o que poucos têm: história, caráter e uma
inegável ligação emocional com a cidade.
Património vivo da Foz do Douro
Em 1999, o Município do Porto distinguiu o clube com a Medalha de Mérito
Desportivo — um gesto simbólico que reconhece o que muitos portuenses já
sabiam: que o Lawn-Tennis Carreiros é mais do que um clube, é um património afetivo.
Apesar da sua fragilidade material,
do espaço pequeno e do desgaste do tempo, o clube continua a formar, a ensinar
e a abrir portas. Na sua modéstia, cumpre uma função maior: manter viva a
beleza lenta de um desporto onde o tempo se mede em ‘sets’ e silêncios.
O ténis entre o mar e o granito
Ali, entre o mar da Foz e o granito
das ruas do Porto, o Carreiros lembra-nos que há lugares que não precisam de
crescer para serem grandes. Cada batida de bola ecoa como um verso. Cada jogo,
um capítulo de um romance que se escreve há 127 anos, com raquetes em vez de
penas.
O que ali se pratica não é só ténis.
É uma forma de estar. É a elegância do gesto, o recato da vitória, a dignidade
da derrota. E por isso, o clube não precisa de finais apoteóticos. Basta-lhe
continuar a existir.
Do século XIX ao século XXI: o clube e o seu tempo
A história do Lawn-Tennis de Carreiros é também a história do Porto que acolheu
e integrou o ténis com sobriedade e afeto. Fundado por britânicos, cedo se
abriu a nomes da elite comercial e cultural portuguesa. No início do século XX,
era comum ver, no mesmo banco, industriais do Vinho do Porto, diplomatas e
filhos da cidade — todos partilhando o mesmo amor pelo jogo.
As décadas decorreram e os desafios
sucederam-se. Durante os anos 50 e 60, o clube viveu o seu auge competitivo e
social. O court fervilhava com torneios internos, campeonatos distritais e
encontros festivos. Mas ao contrário de outros espaços desportivos, o clube nunca teve como prioridade o lucro. Preferiu o valor da permanência.
A partir dos anos 80, a pressão
urbanística e a mudança de hábitos começaram a tornar a sobrevivência mais
difícil. O número de sócios diminuiu, o campo de ténis resistia, mas exigia manutenções
caras. Ainda assim, não fechou as portas. Reinventou-se como escola. Como
espaço educativo. Como refúgio.
Uma escola de ténis, uma missão social
Nas últimas décadas, sob a orientação de treinadores como Joaquim Vilela, o
clube voltou a afirmar-se como espaço de iniciação ao ténis. Com poucos
recursos, mas com dedicação absoluta, foram criados programas de formação para
crianças de diferentes contextos. Algumas delas com bolsas integrais, outras
com apoio de sócios mais antigos que desejam ver o clube prosperar.
O court continua único. Mas ali se
desenrolam treinos, jogos, histórias. E é nessa aparente pequenez que o clube
encontra grandeza. O futuro poderá ser incerto, mas o passado é indiscutível —
e a sua presença continua a ser uma declaração de resistência.
A memória continua a bater bolas
Os arquivos do clube — pequenos, mas
valiosos — guardam fotografias a preto e branco, troféus gastos pelo tempo,
cartas manuscritas, livros de atas com assinaturas elegantes. Tudo é memória,
tudo é testemunho. E cada visita é um reencontro com esse tempo circular, onde
o ténis é mais do que um jogo. É um gesto que liga gerações.
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