Matilde Jorge vence como número um lusa e avança em Palma del Río

                                                           Por António Vieira Pacheco

Portuguesa hunta-se à irmã em Palma del Río.
Créditos; FPT. Matilde Jorge estreia-se como número um português com vitória.


 Num palco andaluz, a confirmação de uma nova liderança no ténis nacional.

Há conquistas que se medem em troféus, outras em lugares no ‘ranking’. Mas há aquelas, mais raras, que unem o número à narrativa — que não se limitam a marcar uma posição, mas abrem uma nova página no ténis de um país. Uma semana após se tornar, pela primeira vez, a número um do ténis feminino português, Matilde Jorge, de 21 anos, confirmou esse estatuto em campo: estreou-se com uma vitória autoritária na fase de qualificação do ITF W50+H de Palma del Río, em Espanha, e garantiu o apuramento para o quadro principal.

Foi na planície quente da região de Córdoba que Matilde deu mais um passo firme numa trajetória que não se tem feito de ruído, mas de consistência. Na tarde desta segunda-feira, a vimaranense derrotou a japonesa Kanako Morisaki (936.ª WTA) em dois ‘sets’ diretos, por 6-0 e 6-4, num encontro em que entrou dominante e terminou segura. Foi o tipo de exibição que revela maturidade competitiva e justifica, ponto a ponto, o estatuto recentemente alcançado.

Uma entrada simbólica… com a raquete certa

A presença da vimaranense no qualifying foi, de certa forma, uma coincidência administrativa: com o novo ‘ranking’, teria entrada direta no quadro principal da prova — onde, aliás, até surgiria entre as principais cabeças de série. Mas como não tinha essa classificação no prazo regular, teve de passar pela fase de qualificação, onde beneficiou de isenção na primeira ronda. Aproveitou bem o tempo extra em court para afirmar, mais uma vez, que não sobe somente: consolida.

A vitória frente a Morisaki foi marcada por dois momentos distintos. No primeiro ‘set’, a portuguesa foi avassaladora: com serviço eficaz, devoluções profundas e uma gestão emocional notável, impôs um “pneu” (6-0) com autoridade. O segundo ‘set’ foi mais equilibrado, com a japonesa a subir de rendimento e a colocar mais resistência. Ainda assim, Matilde manteve-se firme, sem se desviar do plano de jogo, e fechou com segurança no 6-4. Uma exibição de cabeça fria e raquete quente.

Um possível reencontro… de sangue e de rede

No horizonte imediato de Matilde, o quadro principal. E com ele, uma possibilidade tão poética quanto competitiva: enfrentar a irmã mais velha, Francisca Jorge, logo na primeira ronda. A hipótese existe e será definida pelo sorteio.

Francisca, atualmente 258.ª no ‘ranking’ mundial, é a terceira cabeça de série do torneio andaluz e aguarda precisamente por uma jogadora vinda da fase de qualificação. O destino — ou os deuses do sorteio — podem então escrever um capítulo invulgar: irmãs, companheiras de pares e companheiras de vida, frente a frente num torneio internacional.

Se o sorteio assim ditar, será o reencontro em terra estrangeira de dois percursos que partem da mesma casa e da mesma paixão, mas que hoje vivem momentos distintos: Matilde vive o melhor ‘ranking’ da carreira e o estatuto de número um nacional, enquanto Francisca, a mais experiente, procura estabilidade e continuidade após anos a liderar o ténis feminino português.

A nova número um nacional

O lugar cimeiro de Matilde no ‘ranking’ nacional não é fruto de um momento isolado. Tem crescido nos últimos dois anos, com uma regularidade assinalável no circuito ITF, tanto em singulares como em pares. É, aliás, na variante de pares que tem colecionado títulos internacionais, muitos deles ao lado… da irmã.

A mudança no topo do ténis feminino português acontece sem clamor, mas com simbolismo. Por anos, Kika foi a referência absoluta. Agora, vê a irmã mais nova ultrapassá-la, num gesto que não tem rivalidade, mas sim uma natural sucessão partilhada. Matilde não chega para substituir, mas para continuar. E, juntas, representam não apenas um talento familiar, mas um eixo central no ténis português.

Um verão promissor

A presença no ITF W50 de Palma del Río é mais do que uma etapa competitiva: é um sinal de que Matilde Jorge está a apontar para desafios maiores. O verão será intenso, e o calendário promete oportunidades para pontuar, crescer e sonhar com novos patamares no ‘ranking’ WTA. Ultrapassada a barreira simbólica das 250 melhores do mundo, os próximos meses serão decisivos para tentar entrar na órbita dos torneios WTA 125 e qualificações dos Grand Slams.

A consistência mental, a boa forma física e o espírito competitivo mostram-se como trunfos cada vez mais evidentes. E, sobretudo, Matilde mostra que tem um plano — algo raro e valioso nesta fase da carreira.

Um espelho maior

O momento vivido por Matilde é, também, uma boa notícia para o ténis feminino português. Em tempos de escassa representação internacional, ver duas irmãs com ‘ranking’ mundial sólido, presença assídua em torneios internacionais e ambição clara, é mais do que uma curiosidade: é uma oportunidade para inspirar uma nova geração.

A esperança está viva, não em grandes promessas, mas em passos pequenos e certos. Como o que se deu esta segunda-feira, numa pequena cidade andaluza, com calor no ar e verde no court.

E agora, que venha o sorteio. Que venha o desafio. Seja contra quem for — com ou sem laços de sangue — Matilde está pronta para continuar a escrever esta nova página do ténis português.

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